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O objetivo deste blog é discutir idéias, expor pontos de vista. Perguntar mais do que responder, expressar mais do que reprimir, juntar mais do que espalhar. Se não conseguir contribuir, pelo menos provocar.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

O TERROR DA AMBIVALÊNCIA

Você esconderia judeus em sua casa durante a França ocupada pelos nazistas? Não, não precisa responder em voz alta. Melhor assim, para não passarmos a vergonha de ouvirmos nossas mentiras quando na realidade a janta, o bom emprego e a normalidade do cotidiano sempre valeram mais do que qualquer vida humana. Passado o terror, todos viramos corajosos e éticos. Anos atrás, enquanto eu esperava um trem na estação de Lille, na França, para voltar para Paris, onde morava na época -ainda bem que tinha minha família comigo porque Paris é uma cidade hostil-, li a resenha de um livro inesquecível na revista "Nouvel Observateur". Nunca li esse livro, nem lembro seu nome, mas a resenha era promissora. Entrevistas com filhos e filhas de pessoas que esconderam judeus em casa durante a Segunda Guerra davam depoimentos de como se sentiram quando crianças diante dos atos de coragem de seus pais e suas mães. A verdade é que essas crianças detestavam o ato de bravura de seus pais. Sentiam (com razão?) que não eram amados pelos pais, que preferiam pôr em risco a vida deles a protegê-los, recusando-se a obedecer a ordem: quem salvar judeus morre com eles.
 
Podemos "desculpar" as crianças dizendo que eram crianças. Nem tanto. Adolescentes também sentiam o mesmo abandono por parte dos pais corajosos. Cônjuges idem. Está justificada a covardia em nome do amor familiar? Nem tanto, mas deve-se escolher um estranho em detrimento de um filho assustado? Tampouco dizer que os covardes também seriam vítimas vale, porque o que caracteriza a coragem é exatamente não se deixar fazer de vítima -coisa hoje na moda, isto é, se fazer de vítima. Não foi muito diferente aqui no Brasil durante a ditadura, guardando-se, claro, as diferenças de dimensão do massacre. No entanto, não me interessa hoje essa questão da falsa ética quando o risco já passou - a moral de bravatas. Mas sim a ambivalência insuportável que uma situação como essa desvela, na sua forma mais aguda.
 
Ou meu pai me ama ou ama o judeu escondido em minha casa, ou, ele me ama, mas não consegue dormir com a ideia de que não salvou alguém que considerava vítima de uma injustiça, e por isso me põe em risco. Eis a razão mais comum dada por esses pais, quando indagados, da razão de pôr em risco sua vida e família: "Não conseguia fazer diferente". Mas a ambivalência da vida não se resume a casos agudos como esses. Freud descreveu os sentimentos ambivalentes da criança para com o pai no complexo de Édipo: amo meu pai, mas quero também me livrar dele, e também sinto culpa por sentir vontade de me livrar dele. Independente de crer ou não em Freud plenamente (sou bastante freudiano no modo de ver o mundo, e Freud foi o primeiro objeto de estudo sistemático em minha vida), a ambivalência aí descrita serve como matriz para o resto da vida.

Os pais amam os filhos (nem sempre), mas ao mesmo tempo ter filhos limita a vida num tanto de coisas (e hoje em dia muita mulher deixa para ser mãe aos 40 por conta deste medo, o que é péssimo porque a mulher biologicamente deve ser mãe antes dos 35). Apesar dos gastos intermináveis, no horizonte jaz o possível abandono na velhice por parte destes mesmos filhos "tão" amados. Mas, ao mesmo tempo, não ter filhos pode ser uma chance enorme para você envelhecer como um adulto infantil que tem toda sua vida ao redor de suas pequenas misérias narcísicas. Casamento é a melhor forma de deixar de querer transar com alguém devido ao esmagamento do desejo pela lista infinita de obrigações que assola homens e mulheres, dissolvendo a libido nos cálculos da previdência privada. Mas, ao mesmo tempo, a liberdade deliciosa de transar com quem quiser (ficar solteiro), com o tempo, facilmente fará de você uma paquita velha ridícula sozinha que confunde pagar por sexo com um homem mais jovem com emancipação feminina. E, no caso do homem, o tiozão babão espreita a porta. E, também, terá razão quem disser que mesmo casando você poderá vir a ser uma paquita velha ou um tiozão babão. Quantas ambivalências espera você nessa semana?

terça-feira, 28 de maio de 2013

MEU FILHO... VOCÊ NÃO MERECE NADA!!

Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
 
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
 
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.
 
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
 
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade. É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
 
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país. Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

 
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer. A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
 
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude. Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
 
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir. Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
 
O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa. Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

 

Autora do Artigo: Eliane Brum
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que "tudo pode" significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito. Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência. Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.
 
 
Por: ELIANE BRUM - Clínica Alamedas - 17-05-2013
 
 

domingo, 26 de maio de 2013

AVALIAÇÃO

Se hoje eu lhe convidasse para ser avaliado como pessoa, como profissional, como pai, enfim, fazer uma análise de você nos diversos papeis que você exerce, o que você acharia? A avaliação é uma ferramenta que muitas pessoas usam para saber se estão ou não no caminho certo, para identificar seus pontos problemáticos e mudar. Avaliar tem o significado corriqueiro de determinar o valor de algo ou seu preço (lembrando que preço pode ser entendido como uma avaliação quantitativa enquanto o valor como qualitativo). Sendo assim, algumas pessoas quando param para se avaliar fazem uma avaliação própria tendo em vista valores quantitativos, ou seja, o quanto acumularam, seja dinheiro, títulos, lotes, casas, mulheres. Outros já partem para uma avaliação quantitativa, analisando como eram quando tinham tal idade e como estão agora, como eram quando começaram na empresa e onde chegaram na atualidade.

Algumas pessoas são muito duras ao se avaliarem e se cobram além do que poderiam alcançar, pode-se dizer que são juízes de si próprias. Outras já se avaliam sempre de maneira positiva, até mesmo atitudes que causaram grandes males na sua vida são entendidos como bem vindos. Enfim, cada um tem uma maneira de se avaliar, o que interessa aqui são as pessoas que não avaliam a si próprias, mas são avaliadas por outras pessoas. São muitos os casos de pessoas que não conseguem se avaliar e ficam a mercê de seus avaliadores, sendo que, o que eles disserem será aceito como verdadeiro. Pessoas assim escolhem alguns ou muitos avaliadores e a eles atribuem o direito de crítica sobre si próprias, sejam elas positivas ou negativas. O problema é que alguns desses avaliadores são muito duros, entendem que avaliar é apenas ver os defeitos, as falhas. Imagine uma criança que pede a opinião de seu pai sobre seu rendimento escolar. O pai olha as notas e vê algo entre sete e oito, vira-se para o menino e diz: “Isso é pouco, existe em muitos melhores que você”. O menino acompanha a sua avaliação e entende ser menos que os outros pela nota que tem.

O exemplo do filho que se submete a avaliação do pai pode ser algo muito próximo de um marido que se deixa avaliar pela família da esposa. Este tipo de avaliação delegada a outros muitas vezes pode se comparar a um bom vinho que é avaliado por aquele que nada sabe sobre o assunto. Quanto você receber a avaliação de alguém observe o quando a pessoa que está lhe avaliando conhece a você, seu trabalho ou seu produto. Deixar-se avaliar não é problema, o problema é ter um avaliador que não conhece o que está avaliando. Muitos pais avaliam os filhos pelos amigos dos filhos, avaliam a esposa pelas amigas da esposa, avaliam seu rendimento pelo rendimento de outras empresas. Uma avaliação comparativa é sempre uma avaliação que precisa de ajustes, ou seja, não existem duas realidades iguais.

Muitos bons profissionais não crescem na organização porque seu “superior” não sabe avaliar e quem é avaliado acredita naqueles dados. Muitos grandes profissionais foram recusados em outras áreas de trabalho, na escola, mas encontraram alguém que os avaliou de acordo com suas capacidades e viu onde poderiam chegar. Se você está sendo avaliado e percebe que há dureza excessiva, que o que dizem não reflete exatamente quem você é, reveja seus avaliadores. Sua esposa talvez não tem a clareza de quem você é no trabalho para avaliá-lo como profissional, assim como seu chefe provavelmente não pode avaliá-lo como pai.


Por Rosemiro Selfstrom - Criciúma/SC - 21/05/2013

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O METODO DA RAPOSA

Para que servem os cientistas políticos? Para muita coisa talvez, mas não para prever fatos que deveriam ser da sua alçada, nos diz o artigo "Sobre Raposas e Porcos-Espinhos", de Nate Silver, na "Ilustríssima" de 12/5/2013. Neste terreno, pessoas menos obcecadas com sua própria "verdade" teriam mais sucesso.

O autor cita a derrocada da União Soviética como exemplo de fracasso dessa classe. Nenhum "especialista" foi capaz de prever o fim do "socialismo real". O texto aponta o risco de irrelevância da ciência política, pelo menos quando pautada por concepções de como o mundo deveria ser, ou, dito de outra forma, quando pautada por ideologias, praga comum no mundo acadêmico.

Não se trata de dizer que cientistas políticos não servem para nada, mas de perceber, entre outras coisas, o problema que se esconde por detrás de tal fracasso. Logo voltarei a este problema. O estranho termo que dá título ao artigo citado vem do ensaio de Isaiah Berlin "O Porco-Espinho e a Raposa", da coletânea "Pensadores Russos", entre nós publicado pela Cia. das Letras em 1988. O ensaio não visa falar da irrelevância dos cientistas políticos, mas sim dos diferentes modos como se constituem o pensamento e a vida de um grande autor. Ele mesmo, Berlin, podendo ser elencado entre as raposas. Shakespeare, Montaigne e Aristóteles seriam raposas (eu acrescentaria o grande crítico Carpeaux a este grupo), Freud, Hegel e Marx, porcos-espinhos, portanto, para Berlin, não se trata de reduzir estes à nulidade.

Para o ensaísta britânico (judeu do Leste Europeu), raposas são flexíveis, não precisam de coerência ou unidade interna entre os elementos e teorias manipuladas pelo pensamento (ou vividas no dia a dia) porque não operam a partir de uma visão de mundo que supõe "um centro de sentido" do mundo. O "sentido da realidade", título de um dos seus maiores ensaios, é a pluralidade desta, sem nenhuma unidade última descritível por uma teoria da realidade ou da história. Eu posso, por exemplo, concordar com a teoria da mercadoria de Adorno e ao mesmo tempo achar que ela não esgota o entendimento do mundo. O "método" da raposa é não ter método.

O porco-espinho trabalha com a ideia de que ele descobriu o conjunto de teorias que explica o mundo (a "unidade do mundo" foi descoberta por ele), como o inconsciente de Freud, a dialética de Hegel ou o capital de Marx. Mas, voltando ao problema que leva ao fracasso do modo de agir do porco-espinho (este, segundo Nate Silver, é menos eficaz na análise do mundo, e eu concordo com Silver aqui), é que, como diz Berlin, "os professores simplesmente tendem a exagerar a importância de suas atividades pessoais, como se fossem a 'força' central que impele o mundo".

Portanto, não se trata de negar o valor de porcos-espinhos (como negar o inconsciente, a dialética ou o capital como formas válidas de pensar o mundo?), mas, sim, de revelar o risco quando professores se fazem oráculos da verdade do mundo a partir de sua sala de aula, negando tudo mais que contradiga suas teorias de mundo. O que Silver aponta é este vício na mídia e como ele fica ridículo quando especialistas recusam o mundo em favor de "seu mundinho ideológico".

Outro livro essencial para pensarmos as causas da irrelevância das ciências humanas na lida com o mundo "que desencoraja especulações" (Gertrude Himmelfarb, historiadora americana) é "Envolvimento e Alienação", ed. Bertrand Brasil, 1998, do sociólogo Nobert Elias. Neste livro, Elias opõe o envolvimento à alienação como modo de ação dos cientistas sociais e defende a alienação como sendo o mais eficaz, e dá uma razão para as ciências sociais não serem capazes de evitar um único massacre étnico. Claro, alienação, aqui, não é alienação marxista, mas o distanciamento que o cientista social deveria ter de suas preferências teóricas e "afetivas" quando investiga a realidade a sua volta. O envolvimento, seu contrário, infelizmente, é a atitude mais comum em minha casta intelectual: tornar-se oráculo de um "mundinho", aquele que eu tenho na minha cabeça.


Por Luiz Felipe Pondé - Folha de SP - 20/05/2013


quarta-feira, 15 de maio de 2013

O BANDIDO E O FRENTISTA

A população está entregue às traças, enquanto nos palácios, gente inteligentinha de todo tipo (com o mesmo caráter da aristocracia pré-revolucionária de Versailles) discursa sobre "direitos humanos dos bandidos", toma vinho chileno, paga escola de esquerda da zona oeste de São Paulo que custa 3 mil reais mensais e vai para Nova York brincar de culta. A inteligência ocidental está podre, mergulhada em seus delírios de reconstrução do mundo a partir de seus três gnomos Marx, Foucault e Bourdieu.

Nós, desta casta de ungidos, desprezamos o povo comum porque pensamos que o que eles pensam é coisa de gente ignorante. Outro dia fui abordado por um frentista num posto perto da minha casa na zona oeste (perto daquela praça destruída aos domingos pelas bikes -"bicicletas" na língua de pobre). Ele disse: "O senhor não é aquele filósofo da televisão?". E continuou: "Não pense que porque somos proletários, não entendemos o que o senhor fala na televisão". Quem adivinha do que ele queria falar? Este posto sempre foi 24 horas e agora não é mais. Por quê? Disse ele que estavam todos, do dono aos funcionários, cansados de serem assaltados toda noite. Disse ele: "O ladrão vem na sua moto, para, põe a arma na nossa cara, rouba tudo, ameaça nos matar e vai embora. Nada acontece". E mais: "E fica todo mundo preocupado com o direito dos bandidos. Onde ficam os direitos de quem trabalha todo dia?".

Vou dizer uma blasfêmia, dirão alguns dos meus amigos da casta inteligentinha: se preocupar com direitos dos bandidos é apenas um modo chique de continuar se lixando para o "povo", assim como os coronéis nordestinos sempre se lixaram, a diferença agora é que a indiferença para com o destino das pessoas comuns vem regada a vinho chileno e leituras de Foucault. A "elite branca letrada" é completamente indiferente para com o destino desse frentista. Ele pede para que a polícia "acabe com os bandidos para ele poder trabalhar e a mulher e filhos dele não serem mortos". Ingênuo? Simplista? Talvez, mas nem por isso menos verdadeiro na sua demanda "por direitos".

A verdade é que estamos mergulhados num blá-blá-blá pseudocientífico das razões que levam alguém a ser bandido, seja qual for a idade, e enquanto isso esse frentista se ferra. O que terá acontecido, que de repente a elite letrada e pública ficou tão "sensível ao sofrimento social" e tão indiferente ao sofrimento desta "pequena gente honesta"? Até escuto alguns de nós dizer: "São uns mesquinhos que só pensam nas suas vidinhas". Quem sabe alguns mais anacrônicos arriscariam: "Isso é resquício do pensamento pequeno burguês". A verdade é que nós estamos pouco nos lixando para o que essa gente que anda de metrô, trem e quatro ônibus sofre. Todo mundo muito "alegrinho" com a PEC das empregadas domésticas, mas entre elas e os bandidos a vítima social são os bandidos.

A pergunta que não quer calar é: por que em países islâmicos, por exemplo, com alto índice de pobreza, não existe criminalidade endêmica? Será que tem a ver com medo da terrível punição corânica? Dirão os inteligentinhos que a causa da criminalidade é social. Hoje em dia, "causa social" serve para tudo, como um dia foram os astros e noutro a vontade dos deuses. Não nego que existam componentes sociais de fome e sofrimento na causa do comportamento criminoso, mas ninguém mais leva em conta que a maioria que vira bandido porque não quer trabalhar todo dia como esse frentista.

Ser bandido é, antes de tudo, um problema de caráter. E esse frentista, pobre também, sabe disso muito bem, só quem não sabe é minha casta de inteligentinhos. O que dirão os inteligentinhos quando esse contingente de verdadeiras vítimas sociais do crime começarem a se organizar e matar os bandidos a sua volta? Pedirão a alguma ONG europeia para proteger os bandidos dessa gente "mesquinha" que só pensa em sua casinha, seus filhinhos e seu dinheirinho? Acusarão essa gente humilhada e assaltada de não ter "sensibilidade social"? Dirão que soltar bandidos na rua é "justa violência revolucionária"?

Por Luiz Felipe Pondé - Folha de SP - 13/05/2013

domingo, 12 de maio de 2013

O QUE FAZ UM 'HEADHUNTER'?

Transcrição do comentário do Max Gehringer para a rádio CBN, do dia 09/05/2013, com o caso de um ouvinte que está confundindo headhunters com agências de recolocação, e a importância do networking.
 
Um ouvinte escreve: "Tenho 42 anos e uma das falhas que cometi em minha carreira foi a de não ter construído um bom networking, porque sempre fui de ficar na minha e de evitar contatos que fossem além das minhas obrigações profissionais. Você acredita que num caso como o meu, o uso do serviço de um headhunter seria aconselhável?"

Não. Headhunters são profissionais contratados por empresas para encontrar o candidato ideal para uma vaga. Eles não prestam serviços a candidatos em busca de
emprego.

Você provavelmente está confundindo headhunter com aconselhamento de carreira. Esse é o caso de agências que ajudam um profissional a preparar um currículo, a se comportar adequadamente em entrevistas e a se expressar verbalmente com segurança e convicção.

Não posso lhe fornecer nomes de agências, mas uma busca na internet poderá ajudar você a encontrar algumas. E aí, você poderá marcar uma consulta se compromisso para entender melhor o que elas oferecem e quanto cobram.

Mas vamos voltar a questão do networking ou rede de contatos profissionais, porque esse é um tema que pode ser útil a muitos ouvintes.

Não é preciso ser amigo do peito de um colega de trabalho para poder incluí-lo numa relação de interesse puramente profissional. A base do networking é a possibilidade da ajuda mútua, porque ninguém pode antecipar quem irá precisar de quem algum dia. É por isso que duas pessoas decidem manter contatos continuados, mesmo quando uma delas deixa a empresa.

Networking significa indicação, referência, recomendação. A maioria das
vagas é preenchida assim e creio que a cândida confissão do nosso ouvinte mostrou a importância de não se esconder.


Max Gehringer, para CBN - 09/05/2013.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

OS SEM iPAD´s

A culpa do que ocorre em Londres não é do consumo. Muitos se acostumaram a ser tratados como bebês. Você sabia que agora existe em Londres o movimento dos sem-iPad? Coitadinhos deles. Quebram tudo porque a malvada sociedade do consumo os obriga a desejar iPads... No passado todo mundo era "obrigado" a desejar cavalos, tecidos de seda, especiarias, facas, tambores, ouro, mulheres... Como ficam as pessoas que desejam, não têm, mas nem por isso saqueiam lojas, mas sim trabalham duro? Seriam estes uns idiotas por saberem que nem tudo que queremos podemos ter e que a vida sempre foi dura? Esta questão é moral. Dizer que não é moral é não saber o que é moral, ou apenas oportunismo... moral. Resistir ao desejo é um problema de caráter. Um dos pecados do pensamento público hoje é não reconhecer o conceito de caráter. Logo existirão os "sem-Ferrari", os "sem-Blackberry", os "sem-Prada" também? Que tal um "bolsa Blackberry"? Devemos criar um imposto para os "sem-Blackberry"?

Na Inglaterra, dizem, existem famílias que nunca trabalharam vivendo graças ao governo há gerações. É, tem gente que ainda não aprendeu que não existe almoço de graça. Mas esse fenômeno de querer desculpar todo mundo da responsabilidade moral do que faz não é invenção de quem hoje justifica a violência em Londres clamando por justiça social na distribuição de iPads. É conhecida a passagem na qual o "homem do subsolo" no livro "Memórias do Subsolo", de Dostoiévski, abre suas confissões dizendo que é um homem amargo. Em seguida, alude à teoria comum de que ele assim o seria por sofrer do fígado. Logo, a culpa por ele ser amargo seria do fígado. Ele recusa tal desculpa para sua personalidade insuportável e prefere assumir que é mesmo um homem mau. Eis um homem de caráter, coisa rara hoje em dia. Agora, todo mundo gosta de "algum fígado" (a sociedade de consumo, o patriarcalismo, a Apple) que justifique suas misérias morais. O profeta russo percebeu que as ciências preparavam uma série de teorias que tirariam a responsabilidade do homem pelos seus atos.

A moda pegou nos jantares inteligentes e hoje temos vários tipos de "teorias do fígado" para justificar nossas misérias morais. Uma delas é a teoria de que somos construídos socialmente. Dito de outra forma: O "sujeito é um constructo social". Logo, quebro loja em Londres porque fui "construído" para enlouquecer se não tenho um iPad. Tadinho...
 
Tem gente por aí que tem verdadeiro orgasmo com essa bobagem. Não resta dúvida de que há algo verdadeiro na ideia de que somos influenciados pelo meio em que vivemos. Por exemplo, se você nasce numa favela, isso não vai passar "desapercebido" nos seus modos à mesa, no seu comportamento cotidiano e nas suas expectativas e possibilidades na vida. Mas aí dizer que "o sujeito é um constructo social" é pura picaretagem intelectual. Ninguém consegue ou conseguirá provar isso nunca, mas quem precisa de "provas" quando o que está em jogo são as ciências humanas, que de "ciência" não têm nada. Esse blábláblá não só exime o sujeito da responsabilidade moral, como abre a porta para todo tipo de "experimento" psicossocial, político ou justificativa moral, que, na realidade, serve pra qualquer um inventar todo tipo de conversa fiada em ciências humanas "práticas".

Por que tanta gente adora essa teoria? Suponho que, antes de tudo, o alivie de ser você e coloque a "culpa" de você ser você no pai, na mãe, na escola, na vizinha, na sociedade, no consumo, na igreja, no patriarcalismo, no machismo, na cama de casal, no iPad, no diabo a quatro. Menos em você. Temos aí uma prova de que grande parte das ciências humanas não reconhece o conceito de caráter. Moral é exatamente você resistir a impulsos que outras pessoas, sem caráter, não resistem. Já leu Aristóteles? Kant? A "culpa" do que hoje acontece em Londres não é do consumo. Homens sempre quebram coisas de vez em quando e querem coisas sem esforço. As causas podem variar. Hoje em dia, seguramente, uma delas é que muita gente está acostumada a um Estado de bem estar social que os trata como bebês. A preguiça, sim, é um traço universal do ser humano.

 
Luiz Felipe Pondé - Folha de SP - 22/08/11

segunda-feira, 6 de maio de 2013

DECISÕES

Querido leitor, que você esteja bem. Há um pensamento grego atribuído a Aristóteles sobre virtude, onde se diz que “a virtude está no meio”.

- Você é de esquerda ou de direita? - Você gosta de vinho ou cerveja? Então você pensa antes de responder: Nem da esquerda, nem da direita; nem de vinho, nem de cerveja, vou gostar de whisky. E assim, algumas pessoas vão achando que ficar em cima do muro é que é ser virtuoso.

Para Aristóteles, ficar em cima do muro era a pior coisa que podia acontecer. Pessoa em cima do muro só merece uma coisa, ser derrubado do muro. Essa é uma atitude que não há virtude alguma.

A virtude está no meio, para Aristóteles significa no meio da balança. Lembra-se daquelas balanças mecânicas antigas, onde tinham dois pratos e no meio uma seta indicando para onde o prato pesava mais? Pois é, a virtude está no meio pode significar no meio da ponderação. Não é que a virtude está ali no meio da balança, mas é ali a mensuração para onde vai pender o prato da balança. A ideia então que a virtude está no meio é a ideia de pesar os dois lados e ponderar porque, para Aristóteles, a virtude é o bem deliberar.

Como cidadãos de bem, temos que deliberar corretamente, devemos decidir corretamente e, para isso, é prudente ponderar os dois lados da balança e tomar a decisão correta, aí eu serei virtuoso.

Pode acontecer que, na ponderação, a virtude não esteja no meio. Pode ser que um peso puxe mais e você acabe decidindo pela esquerda ou direta, aí você toma sua decisão. A ideia, então, que a virtude está no meio não significa que você deva ficar em cima do muro, mas significa que você vai refletir sobre, e para cada caso.

Começamos nosso dia tomando decisões, abro os olhos ou não abro? Levanto da cama ou não levanto? Vou trabalhar ou não vou trabalhar? Caso ou não caso? Desde as mais simples às mais complexas nossa vida é feita de decisões.

Como você toma suas decisões? A forma que você decide pode fazer grande diferença na sua jornada. Isso é assim para mim hoje.
 

Por Beto Colombo - 06/05/2013
Fonte: http://www.betocolombo.com.br/artigos/ver/decisoes-440

sexta-feira, 3 de maio de 2013

PURO SANGUE PUXANDO CARROÇA

A música “Dom Quixote” composta por Humberto Gessinger e Paulo Galvão canta a vida de uma pessoa que se dedica às causas perdidas. Ao longo da música vários trechos citam a forma inadequada como são aproveitados conhecimentos e recursos. Logo na primeira estrofe aparece a expressão “puro sangue, puxando carroça”, em outra parte diz ainda “grandes negócios, pequeno empresário”. Esses dois trechos, entre outros que possui a letra da música, retratam muitos casos onde se tem um recurso inestimável e o mesmo não é utilizado de forma adequada. Em cada pessoa há uma profunda e inestimável fonte de recursos, recursos que podem fazer a própria vida e de outras pessoas muito melhor.

Se alguém perguntasse a você, quais são seus potenciais e quantos deles você desenvolveu, o que responderia? Algumas pessoas têm muito potencial na área esportiva, mas abdicam de investir nesse potencial pela segurança financeira. Em muitos casos essa decisão custará uma vida inteira sem sentido, dias intermináveis dentro de um escritório e noites longas de insônia. Em outros casos ocorre o contrário: grandes oportunidades aparecem para pessoas que não sabem aproveitá-las, como diziam os antigos: “às vezes Deus dá asas para quem não sabe voar”. Esta é, na verdade, uma frase incompleta, pois Deus deu asas, mas a pessoa não aprendeu a voar. São os “grandes negócios para pequenos empresários”, como as empresas que sofrem da “síndrome do milhão”, que crescem até a capacidade de gerenciamento do proprietário.

Muitos professores em salas de aula, nos dias de hoje, podem sentir-se verdadeiros “puro sangue puxando carroça”. Imagine um professor com vinte e sete anos de idade, dos quais passou ao menos vinte em sala de aula, com uma experiência acadêmica e conhecimentos espetaculares. Esse professor está em uma sala de aula pré-histórica, com uma pedra riscando em outra (quando muito tem o quadro branco e canetão), numa sala de aula em que até o momento havia trinta alunos e que agora querem passar para quarenta por sala. A questão é: como um puro sangue vai ser aproveitado numa carroça? Na educação particular não é muito diferente, o professor é servo, tratado quase como empregado do aluno, o pai muitas vezes é conivente com a má educação dos filhos e a escola, refém do pagamento da mensalidade. Neste caso o “puro sangue” tem uma boa estrutura, mas está amarrado a falta interesse ou ao interesse exagerado em notas.
 

 Muitas vezes esse “puro sangue” somos nós, puxando uma carroça ou carregando uma cangalha como um burro de carga. Em Filosofia Clínica, com um bom exame da história de vida da pessoa e todo o restante do trabalho é possível tirar o “puro sangue” da carroça, fazê-lo deixar o peso da cangalha. Para muitos é cômodo sentar em frente do computador e fazer um trabalho repetitivo, ganhar seu dinheiro e fazer cara de feliz, mesmo morrendo por dentro. Para muitos toda a imagem, toda essa exposição é como “aerodinâmica num tanque de guerra, vaidades que um dia a terra há de comer”. Não tem nada de mais em ser o que os outros esperam, viver o que os outros vivem, comer o que os outros comem, mas tem de se aceitar o preço disso.

Um “puro sangue” às vezes não se percebe, precisa ser percebido, não se vê, precisa ser visto. Muitos grandes empresários têm empresas de sucesso porque aprenderam a ver um “puro sangue” e investir nele. Muitas vezes o discípulo irá muito mais longe que o mestre, algumas vezes o empresário percebe que está apenas mostrando o caminho. São grandes os empresários que identificam e aproveitam o potencial de um “puro sangue”.

 
Rosemiro A. Sefstrom - Criciúma/SC - 02/05/2012
 
 
 
 
 
 
 
 

quarta-feira, 1 de maio de 2013

VIVER FORA DA CAIXA

Uma das perguntas comumente ouvidas num consultório é: “Doutor, isso é normal?” A pessoa que faz esta pergunta o faz para que alguém, no caso o terapeuta, possa lhe dizer se ela está ou não dentro dos padrões. O padrão é uma medida associada ao que está ao se redor, por exemplo, hoje é um padrão pagar pelo trabalho de alguém, quem não o faz está cometendo um crime, salvo as exceções para este exemplo. Entretanto, há pouco mais de cem anos o padrão era comprar alguém que fazia os trabalhos de uma casa, ou seja, era padrão ter escravos em casa. O padrão é portanto uma medida que toma por base o que tem ao seu redor. O padrão serve muito bem para questões práticas, para calcular o valor de um carro, para saber se o salário é adequado, para ver se o espaço de moradia está de acordo com a região onde se mora. Mas medir uma pessoa aquilo que há ao seu redor é a pior forma de se fazer isso.

Diferente de um carro, o salário e até mesmo a moradia, uma pessoa apresenta estruturas totalmente diferentes, únicas. Padronizar o ser humano é como pegar os galhos das árvores de uma floresta e querer que todos sejam iguais. Pior do que isso, fazer com que aqueles que não estão dentro do desejado sejam cortados e jogados fora como algo sem valor. Assim como as árvores, cada ser humano tem uma única forma de se estruturar, e essa estrutura tem diferentes formas de se manifestar. Muitas pessoas, por medo, por necessidade ou por conveniência, se mostram como os outros querem que elas sejam vistas. Assim é para a menina que aos seus quinze anos reúne os amigos e faz um lindo baile de debutantes, quando esse padrão nada tem a ver com ela. Infelizmente para a sociedade ela sente que precisa se homogeneizar, ter uma aparência que se espera dela, namorar um namorado que dizem ser o melhor, enfim, ser normal.

A estrutura de uma pessoa, assim como de uma casa ou as raízes de uma árvore têm um formato, suportam um peso diferente. Para uns a base é sua emoção, tudo o que vivem é suportado pelas emoções, são as alegrias, tristezas, ódios, amores, que as fazem suportar a vida ou viver. Em outras pessoas é a razão a base que sustenta toda essa estrutura: suas contas, porquês e lógicas aguentam o prédio que está em cima. Acima do alicerce há toda uma construção que se apóia nesta base, sendo que, para algumas pessoas, a estrutura padronizada é pesada demais para sua base. Pode-se citar o exemplo do filme “Na natureza selvagem”, onde o rapaz tinha a base de sua estrutura na sua identidade. A vida padronizada se fez tão pesada que a base não agüentou e ele perdeu a referência até de si mesmo, ou seja, não sabia mais quem ele era.

Há um exército de seres humanos tratados como máquinas que não suportam a estrutura padronizada que está sobre suas bases. Cada um ao longo da vida deveria construir sua estrutura de acordo com a base que tem, isso seria o recomendável. Em busca da normalidade, algumas pessoas constroem pirâmides que nada têm a ver consigo, mas com o que o padrão recomenda. Padrão este que tem cor certa, roupa certa, música certa, casamento certo, filhos certos, enfim, que acaba por normatizar via Inmetro um ser único. Não há como pregar normalidade quando o próprio padrão está mais próximo da doença. O seu jeito de ser, as bases sobre as quais você construiu a sua vida indicam como pode ser a estrutura que será edificada. O padrão pode ser um guia, pode ser uma medida de comparação, mas não uma medida de construção. Você é uma pessoa completamente diferente de qualquer outra, isso porque a sua estrutura é única e por mais que se tente encaixotá-la, ela sempre mostrará que não é possível viver na caixa.
 

Rosemiro A. Sefstrom - Criciúma/SC - 03/04/2013